terça-feira, 21 de outubro de 2008

Im-previsibilidade

Ela andava sozinha pela rua escura. Não tinha medo. Há muito aprendera a se defender. Distante, o latido de um cão. E, de repente, vindo não se sabe de onde, um perfume diferente...
Ela manteve o mesmo passo tranqüilo, por nenhuma outra razão que não fosse a de chegar a seu destino, conforme o previsto.
Mas o previsível nem sempre acontece. Talvez algum deus menino esteja sempre atento e pronto para alguma travessura conosco, reles mortais. Pois foi assim que aconteceu:
O perfume tornou-se mais forte e, com ele, um roçar de vestes, muito próximo dela.
Um arrepio percorreu-lhe a espinha e ela chegou a pensar em apressar o passo, só por precaução. Não houve tempo.
No instante seguinte, uma mão forte segurava-lhe o braço. Sim, ela sabia se defender. Os anos todos de cursos de defesa pessoal já tinham lhe tirado de situações muito perigosas. Não agora. Ela simplesmente NÃO QUERIA se defender. De alguma forma, sem entender as razões, sentia não PRECISAR se defender.
Virou-se lentamente. O homem que a encarava vestia jeans rasgado, tênis sem os cadarços, camiseta incrivelmente branca e, absurdamente deslocado, na cabeça, um turbante.
Os olhos de um fitaram longamente os olhos do outro. Nenhuma palavra trocada. Nem um ai.
Ele estendeu a mão até o rosto dela e tocou-a, levemente. Ela retribuiu o gesto que considerou de uma sutileza quase infantil, dada a pressão quase inexistente da mão sobre a pele.
Depois ele virou-lhe as costas e já ia partir quando houve o tiro.
Atingido na nuca, caiu imediatamente. No ouvido, o grito dela. Não ouviria nada mais. Nunca mais.
Uma bala perdida encontrara a nuca do desconhecido.
Nada se descobriu sobre ele. Foi enterrado como indigente. Uma única pessoa acompanhou o féretro.

Um comentário:

antes que a natureza morra disse...

Parabéns !
Adorei textos...visual do blog...texto lindo, limpo,direto...
Meus sinceros parabéns !
Beijão

James Pizarro