domingo, 6 de fevereiro de 2011

Quem conta um conto... conta.

Um estalo de dedos e estava pronta. De novo. Como sempre. Vestiu-se sem pressa. Puxou o zíper do elegante vestido. Calçou as sandálias. Sorriu, ao lembrar da preferência dele por saltos altos.
Mulher de meia idade, ainda provocava suspiros, ao desfilar seus passos decididos e coluna ereta, pra onde quer que fosse seu destino. Não importava quantas outras mulheres, mais bonitas e talvez até mais interessantes, tivessem cruzado seu caminho; ela se sabia inesquecível. Não que isso provocasse qualquer alteração na sua conduta, mas era inegável que acrescentava-lhe uma aura de segurança, difícil de ser quebrada.
Espalmou no espelho a mão de dedos longos e finos, não para acariciar a própria imagem, mas para sentir o frio do vidro; talvez assim afastasse o suor, que já gotejava entre seus seios firmes. Ansiedade?
Desejou, sem queixas, que o tempo estivesse mais fresco.
Apanhou a bolsa e saiu.
À frente do prédio, encostado no carro, ar displicente, camiseta preta, jeans, botas, ele, sempre sério, não resistiu ao sorriso, quando ela apareceu. Tinham o poder de provocar, um no outro, reações pouco costumeiras. Ele, dono de uma tristeza que tivera um começo, mas parecia não ter fim, instantaneamente ficava feliz. Ela perdia, em questão de segundos, a segurança característica. Pensava ser boa o bastante, pra disfarçar esse primeiro momento de confusão interna, sempre que se encontravam. Pensava, mas não era. Ele sabia; e tal constatação alargava ainda mais o sorriso dele. Cinco anos mais jovem que ela, sofrera tantos açoites da vida, que as têmporas já perdiam a cor. Alto, olhava pra baixo, pra encontrar o olhar dela, que ele, carinhosamente, dizia sair de seus "olhos de photoshop".
Andaram de mãos dadas até o restaurante. Jantaram. Conversaram amenidades, porque mesmo os assuntos mais graves, quando um com o outro, se tornavam leves. E riram. E o brilho de todos os cacos de vidro viraram estrelas de diamantes.
(...)
A manhã seguinte encontrou os risos, as mãos dadas e as roupas dos dois, espalhadas pelo quarto de dormir.
A manhã seguinte acordou os risos, as mãos dadas, as roupas e os dois.
A manhã seguinte, antes de ser tarde, despediu os risos, as mãos dadas, as roupas e os dois, um do outro.
E virou lembrança.
Até o próximo estalo de dedos dele, dela ou da vida, que apronta, todos os dias, para todo tipo de gente, as mais incríveis surpresas. E alimenta, todos os dias, em todo o tipo de gente, as mais loucas esperanças.