sábado, 26 de novembro de 2011

Fictícia Vida Real

Nietzsche já dizia que aquele que quiser viver nas alturas, se acostume, também, desde cedo, com uma imensa solidão. Tal pensamento martelava-lhe as têmporas, quase a explodir, enquanto ele tentava lidar com o destino que lhe coubera.

A situação não era nova. Estava, na maioria das vezes, conformado com ela. Os livros quase sempre bastavam. Hoje não. Hoje o desejo de contato se fazia urgente. Queria dividir palavras, frases, argumentos, a eles acrescentando os de algum terceiro, quem quer que fosse. O espelho, hoje, não seria suficiente.

Madrugada.

Não podendo mais controlar a torrente de pensamentos que exigiam vazão, resolveu procurar alguém pela Internet. Pareceu-lhe uma boa opção as salas de bate papo on line e, sendo gay, natural  que procurasse algo do tipo "Eles e Eles".

Sendo essa sua primeira visita, admirou-se com o alto número de usuários conectados. Sala cheia! Sem demora, recebeu uma mensagem de boas-vindas, o que oportunizou o início do que lhe pareceu que seria uma agradável conversa.

Logo percebeu que o outro não tinha grande conhecimento literário, muito menos filosófico, o que não o surpreendeu nem assuntou, ao contrário, considerou interessante ouvir a contribuição de alguém tão "inocente" de conhecimentos.

Trocaram endereços de MSN e o outro sugeriu, sem rodeios, que os dois se vissem, pela webcam. Ele, principiante em salas de bate papo, embora tivesse estranhado o fato do outro estar nu, ficou surpreso com sua beleza; era quase bom demais pra ser verdade: bonito, gay, aberto para conversar sobre literatura e filosofia!!!!!!!!!!

Duas frases ditas por ele e a resposta foi o pedido que tirasse a camiseta, pedido esse que, na primeira fração de segundos, soou estranho, mas a noite estava muito quente, e refrescar-se faria bem, concordou.

Feito isso, recomeçou a digitar suas mais profundas reflexões sobre a origem de Tudo, quando foi interrompido. Pensou tratar-se de alguma tímida contribuição às ideias escritas, mas o outro já desandara a expor suas reais intenções.

O choque o paralisou, o tempo exato em que, desesperadamente, procurava explicações plausíveis  para o comportamento do outro, assim tão insuspeito inicialmente.

Não esboçou reação imediata.

Pesadamente pousou a mão sobre o mouse e clicou em "Sair".






Diante da tela escura, desabou, frustrado.


A solidão, de braços abertos, esperava por ele.


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Quem conta um conto... conta.

Um estalo de dedos e estava pronta. De novo. Como sempre. Vestiu-se sem pressa. Puxou o zíper do elegante vestido. Calçou as sandálias. Sorriu, ao lembrar da preferência dele por saltos altos.
Mulher de meia idade, ainda provocava suspiros, ao desfilar seus passos decididos e coluna ereta, pra onde quer que fosse seu destino. Não importava quantas outras mulheres, mais bonitas e talvez até mais interessantes, tivessem cruzado seu caminho; ela se sabia inesquecível. Não que isso provocasse qualquer alteração na sua conduta, mas era inegável que acrescentava-lhe uma aura de segurança, difícil de ser quebrada.
Espalmou no espelho a mão de dedos longos e finos, não para acariciar a própria imagem, mas para sentir o frio do vidro; talvez assim afastasse o suor, que já gotejava entre seus seios firmes. Ansiedade?
Desejou, sem queixas, que o tempo estivesse mais fresco.
Apanhou a bolsa e saiu.
À frente do prédio, encostado no carro, ar displicente, camiseta preta, jeans, botas, ele, sempre sério, não resistiu ao sorriso, quando ela apareceu. Tinham o poder de provocar, um no outro, reações pouco costumeiras. Ele, dono de uma tristeza que tivera um começo, mas parecia não ter fim, instantaneamente ficava feliz. Ela perdia, em questão de segundos, a segurança característica. Pensava ser boa o bastante, pra disfarçar esse primeiro momento de confusão interna, sempre que se encontravam. Pensava, mas não era. Ele sabia; e tal constatação alargava ainda mais o sorriso dele. Cinco anos mais jovem que ela, sofrera tantos açoites da vida, que as têmporas já perdiam a cor. Alto, olhava pra baixo, pra encontrar o olhar dela, que ele, carinhosamente, dizia sair de seus "olhos de photoshop".
Andaram de mãos dadas até o restaurante. Jantaram. Conversaram amenidades, porque mesmo os assuntos mais graves, quando um com o outro, se tornavam leves. E riram. E o brilho de todos os cacos de vidro viraram estrelas de diamantes.
(...)
A manhã seguinte encontrou os risos, as mãos dadas e as roupas dos dois, espalhadas pelo quarto de dormir.
A manhã seguinte acordou os risos, as mãos dadas, as roupas e os dois.
A manhã seguinte, antes de ser tarde, despediu os risos, as mãos dadas, as roupas e os dois, um do outro.
E virou lembrança.
Até o próximo estalo de dedos dele, dela ou da vida, que apronta, todos os dias, para todo tipo de gente, as mais incríveis surpresas. E alimenta, todos os dias, em todo o tipo de gente, as mais loucas esperanças.




sábado, 29 de janeiro de 2011

Vidro

Madrugada.

Desde quando começara a preferir a noite? Não lembrava. Quando se perde o sono, vai com ele um pedaço bem grande da memória. De qualquer forma, agradava-lhe o som deste rótulo, em especial: notívaga; a imagem de alguém a vagar, sozinha ou acompanhada, mas a vagar, noite a dentro.

Aproveitou pra fechar as venezianas gastas e tragar um golpe de vento frio, típico de inverno que se recusa a dar lugar ao tempo quente.

Desceu.

O bar do hotel, frequentado por amantes das letras e da música, cheirava a perfume, suor, álcool e diferentes graus de solidão, misturados ao burburinho natural dos grandes grupos.
Acostumada ao ambiente, ria com um, dividia um verso com outro, comentava uma notícia qualquer, com um terceiro, cantarolava sozinha. Não parava. Conhecia a maioria dos presentes, e com eles dividia as noites em claro.  

Chegou a pensar em briga, quando ouviu, de repente, o som de vidro quebrado. Esperou o barulho típico de socos e pontapés. Nada. Olhou em volta, procurando a origem, mas não a identificou, até porque ninguém, além dela, parecera ouvir o copo espatifar-se contra a parede. Mas acontecera. Prova disso era o reflexo da luz nos cacos, que jaziam, agora silenciosos, quase diamantes, junto ao rodapé.

E então ela ouviu.

Em alto e bom som, como se nenhum outro ruído houvesse, o soluço. Seus olhos seguiram na direção  que os ouvidos indicaram, e lá estava ele: os olhos vermelhos, o rosto molhado, as mãos trêmulas. Chorava.

Ela não pensou em nada. Largou o copo de suco. Guardou na bolsa as notas e restos de poemas soltos, que rabiscara até o momento. Despediu-se dos mais próximos, e, sem pestanejar um segundo sequer, foi até ele. Limpou-lhe o rosto, ofereceu o braço como apoio e um ombro como consolo.

Nenhum dos dois sabia, mas essa noite mudaria todos os dias daí em diante. Os dela.