quarta-feira, 23 de julho de 2008

PROMETO QUE TE LEVO AO PARAÍSO. ACEITA?


A cantada soou falso, inclusive para ele. Temeu que o longo silêncio precedesse a negativa. Por que não? Ahá! Funcionara! O que a teria levado a aceitar? Seriam seus lindos olhos verdes, seu cheirinho de alfazema (todas ficavam encantadas) ou o sorriso muito alvo, aberto, sincero mesmo, que desarmava qualquer defesa? Talvez fosse tudo junto, mas isso agora não tinha importância. Precisava levá-la ao paraíso. Cumprir promessas era ponto de honra para esse empresário bem sucedido. Levava a sério seus compromissos. Cumpria cada palavra exatamente como fora proferida - à risca! Não era à toa que o mundo dos negócios o reconhecia como alguém confiável. Sua palavra valia como documento assinado, com firma reconhecida. Nunca falhara. Nunca falharia. Preparou o material para a grande noite. Seria única para sua escolhida, o que aumentava a excitação que sentia.
Ela não era bonita, não tinha nenhuma graça, nem era inteligente. Não chamava atenção com seu tipo físico muito miúdo, quase apagado. Não era dada a frases de efeito - nem saberia usá-las. Se divertia vendo a diversão dos outros. Não lia muito, o que restringia os assuntos; ouvia pouca música e não gostava dos noticiários de TV. Pra quê? Só falam de violência mesmo! Prefiro não saber.
O encontro com aquele homem tão cheiroso fora inesperado. Que susto! Ele, de repente, aparecera do nada, convidara para um suco de laranja. "Desculpa não te oferecer uma cerveja; é que não bebo, então não ofereço álcool. Mas, se preferires..." Ela negara, claro, até teria preferido a cerveja, mas disse que adoraria um suquinho. Nem ouviu o que ele dizia,encantada que estava com toda a situação. Quis parecer moderna ao aceitar a cantada óbvia, pois acabara mesmo de conhecer o paraíso, ao dar com esse homem, bem na sua frente, dizendo-lhe coisas que ela não alcançava e nem fazia questão de. O mundo podia acabar naquele momento; ela não se importaria. Mas não, ele insistia em mostrar-lhe o paraíso... mais tarde. Quem, em sã consciência, perderia uma oportunidade dessas?
À hora combinada, lá estava ela. Fizera o possível para dar um jeito no cabelo rebelde. Pouco acostumada com os apetrechos de maquiagem, acabara por provocar pequenos borrões aqui e ali. Talvez ele nem percebesse. Ele. Esquecera de perguntar-lhe o nome, ou de prestar atenção quando "ele" se apresentara. Perguntaria mais tarde. Agora ouvia sua voz rouca dizer-lhe que estava perfeita. Não entendeu porque ele tirou um para de luvas de borracha de uma grande gaveta. Talvez estivesse acostumado a preparar o jantar usando luvas (Que homem, meu Deus! Que homem!)Aumentou o volume do som, pôs a mesa, perguntou alguma coisa que ela não ouviu; movimentou-se bruscamente, de um jeito que ela não entendeu; apanhou uma grande faca para cortar carne - uma carne que ela não viu.
E, de repente, o paraíso era ali e ela não pôde participar do jantar. Que pena. Mas conhecer o paraíso era mais importante.


(22.10.2004)

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