quarta-feira, 23 de julho de 2008

INCONSCIÊNCIA


Anoiteceu. Na televisão, os noticiários de sempre: sangue, sangue, sangue. Assistia sem ver. O dia fora duro, pesado mesmo. As pernas doíam. As ancas doíam. O peito doía. Não encontrava jeito no sofá da sala. A barriga protuberante incomodava. Decidiu ir para a cama mais cedo; descansar um pouco faria bem. Despediu-se do marido sem maiores comentários, já que não queria que ele percebesse a tensão, evidente em sua voz.
Adormeceu com relativa rapidez, depois da oração. Não teve sonhos, apenas uma dor aguda, cortante, na altura do braço esquerdo. Depois dela, um profundo silêncio e a nítida impressão de que toda a sua existência, dali em diante, se movimentaria em câmera lenta.
As sirenes. Os gritos. Confusão. Barulho ensurdecedor...
Acende a luz! Não! Apaga essa luz! Sem stress, sem stress! Calma, vai dar tudo certo! Respira... Isso... Muito bom! De novo. Mais fundo. Assim... Quanto tempo ainda? MEU DEUS, NÃO VAI DAR, NÃO VAI DAR! ESTAMOS PERDENDO! OS SINAIS ESTÃO MUITO FRACOS!
Um choque, um gemido e o corpo todo estremecendo. VOLTA! VOLTA! DE NOVO! ALGUÉM ESTANQUE O SANGUE! ALGUÉM CALE ESSA MULHER!
A vida escorrendo para fora dele...
O que houve? Como aconteceu? Alguém ouviu alguma coisa? Discutiram? Não toquem nas evidências! Por que você fez isso? RESPONDE, MULHER, RESPONDE!
A camisola empapada do sangue alheio. As algemas machucando-lhe os pulsos. E o corpo do marido, inerte, sendo levado já sem vida, para longe dela. Jamais responderia.

(2004)

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